O Sporting Clube de Portugal é de facto um grande amor para milhões de pessoas e para mim próprio. Mas sem dúvida que é também um clube cuja tendência para a desgraça acompanha de forma paradoxal uma história imensa com elevado valor social e desportivo. Não é por acaso que também é entre os 3 grandes do futebol português aquele que ganhou menos vezes.
E como não quero manchar o meu nome escrevendo o nome de quem tem feito mal ao clube que tanto adoro, gostava de contribuir modestamente para a reflexão sobre a situação actual do Sporting com um ponto de vista mais abrangente.
Esta visão na verdade coloca 112 anos em perspectiva e não apenas 12 dias ou 12 horas, como é mais comum nos tempos que correm. Os clubes, como as pessoas ou as famílias, vivem em permanente contraste, utilizando diferentes personalidades para criar uma filosofia e um espírito que, por vezes, geram grande momentos de união ou divisão. O Sporting não é diferente, mas infelizmente tem um negrume, uma escuridão que tem manchado o percurso luminoso de um clube notável.
O Ying e Yang do Sporting Clube de Portugal
Como Sportinguista que esperou 22 anos para entender o que é ser campeão nacional de futebol sempre senti que o clube tinha um destino melancólico a cumprir. Além da auto-flagelação de dirigentes, teinadores, adeptos e jogadores assisti também a episódios inéditos, únicos e traumatizantes, coisas que só acontecem no Sporting, durante muitos anos. Existem vários episódios que demonstram como o clube e as suas personalidades são os seus principais sabotadores, mas também como o destino e a fatalidade da vida do clube motivou imensas tristezas, mágoas e azares.
Já vi treinadores boicotarem jogadores, dirigentes tramarem treinadores, jogadores sabotarem os dirigentes, adeptos contra outros adeptos e ainda treinadores, jogadores e dirigentes, todos contra todos. Como não gosto de falar dos presidentes e diretores vou focar-me em exemplos diferentes, quase sempre violentos.
Desde um jogador fenomenal chamado Cherbakov ficar paralisado para a vida toda por passar um sinal vermelho quando conduzia alcoolizado, até um jogador incrível no pico da forma, Sá Pinto, um dos maiores símbolos da raça leonina, sair disparado de um estágio para um hotel para bater no seleccionador nacional porque não gostou de não sei quê (ficando impedido de jogar em Portugal durante 2 anos!!), sem esquecer um outro jogador fenomenal, João Pinto, que deu um soco na barriga num árbitro em pleno Mundial de Futebol 2002, e que por isso ficou vários meses sem jogar no clube – já aconteceu de tudo um pouco.
Também me lembro das tentativas de agressão de adeptos ao maior símbolo do clube, o jogador Figo, quando ele era, sem dúvida, um dos meus maiores ídolos.
Algumas pessoas podem pensar que estou a exagerar quando argumento que o clube tem de facto uma sina, uma espécie de maldição, ou karma negativo. Mas dou mais exemplos recentes, sempre excepcionais e que, repito, só acontecem no Sporting!
Quando em 2002 o Sporting era a maior força futebolística e tinha vencido o campeonato, estando com todas as condições para ganhar um segundo campeonato consecutivo, de repente no início da época surgiu mais um problema. O melhor marcador do campeonato anterior com 42 golos, o grande Jardel decidiu estragar tudo. Num episódio rocambolesco e nunca antes visto a este nível, ficamos num ápice sem um jogador incrível, perdido entre o vício da cocaína, sexo e jogo, onde desbaratou não apenas um nome criado ao longo de anos, como uma carreira sensacional e a sua própria família.
Alguns anos depois, o agora director desportivo Sá Pinto (aquele mesmo que socou o seleccionador nacional Artur Jorge em 1997), decidiu descarregar a raiva no melhor jogador e goleador do clube, Liedson, novamente com murros! Resultado? Mais uma crise! O que é notável é que pouco tempo depois, Sá Pinto foi… treinador da equipa de futebol do Sporting e ainda hoje é idolatrado pelas massas leoninas. Porquê? Tem Coração de Leão, dizem eles.
Se isto não é auto-sabotagem não sei o que é, não consigo classificar. Se o leitor conhecer algum clube de qualquer país que tenha tantos episódios de masoquismo por favor avise-me. Eu não conheço.
A grande maioria dos episódios lamentáveis no clube são reveladores de uma tendência auto-destruidora, mas nem sempre as desgraças vêm de fonte interna. Nenhum momento foi tão triste como a imagem do adepto leonino que foi assassinado no Estádio Nacional, numa final contra o Benfica em 1996, com um very light disparado pela claque rival. Em 2017, Marco Ficini, adepto italiano de 41 anos que estava em Lisboa para assistir ao clássico entre Sporting e Benfica foi atropelado mortalmente no culminar de confrontos entre as claques sportinguistas e benfiquistas.
Realço ainda que a etimologia do nome desta grande instituição pode dizer-nos alguma coisa sobre o seu destino. Ao contrário dos principais rivais, o clube inclui no nome a pátria Portugal, e tal como o país parece viver um fado que desagua em amarguras e tristezas, impedindo a sua plena realização. De todos os clubes portugueses, talvez seja este o que encarna melhor o espírito português.
E é este o meu clube, que em paralelo com várias desgraças de estirpes variadas, também é a entidade que escolhe para roupeiro do plantel de futebol profissional uma pessoa cuja vida seria infinitamente mais triste sem o dia-a-dia leonino. O Paulinho, por si só, representa o verdadeiro Sporting, a humanidade de uma instituição exemplar a vários níveis.
Mas existem muitas mais glórias: o facto do Sporting ser a 2ª equipa do Mundo com mais títulos em todas as modalidades, apenas atrás do Barcelona, com mais de 16 mil títulos; a formação de excelência no futebol que, além de muitos outros, descobriu e lapidou diamantes como os dois únicos jogadores Bolas de Ouro portugueses, Figo e Cristiano Ronaldo (um dos melhores jogadores de futebol de sempre); sem esquecer que na Selecção Nacional que venceu o Euro 2016 estavam presentes 10 jogadores que passaram pela academia de formação do clube: Rui Patrício, Cédric Soares, José Fonte, William Carvalho, Adrien Silva, João Mário, João Moutinho, Nani, Ricardo Quaresma e Ronaldo.
Ao nível do desporto nacional é também indesmentível e reconhecido o papel decisivo do clube nos atletas olímpicos, europeus e mundiais que representaram Portugal em muitas modalidades, com especial destaque para o Atletismo.
Podia ficar aqui a citar os inúmeros momentos grandiosos que o Sporting enquanto clube viveu ao longo da sua história. Sou do Sporting por causa do meu Pai, cuja afeição ao clube vem desde Moçambique e que instigou em mim e no meu irmão de forma natural o amor ao Sporting. Foi com o meu querido Pai inclusive que vi centenas, talvez milhares de jogos, sofrendo muito os dois, até ao ponto de nos fartarmos de sofrer. Foi ele inclusive que me deu o livro que conta a história do Sporting e que inspirou parcialmente este texto. E sim, confirmo que é realmente uma história de Esforço, Dedicação, Devoção e Glória… e Sofrimento! Todos devíamos ter consciência disso para evitar e suportar as desilusões atuais e futuras.
A história de Francisco Stromp, o primeiro grande símbolo do Sporting
Muitas vezes o início da vida das pessoas, famílias ou dos clubes podem ser fundamentais para a compreensão cabal de todos os restantes anos de vida.
E nada nem ninguém me explicou melhor porquê que o Sporting é assim fatalista do que a vida e obra de Francisco Stromp. Ler a história dos clubes, conhecer as histórias das famílias, saber o que aconteceu no passado é fundamental para entender o presente e também moldarmos o futuro. Espanta-me que poucas pessoas gostem de História, pois ela pode melhorar a qualidade de vida de forma inestimável.
Francisco Stromp foi sócio-fundador, dirigente, jogador e treinador do Sporting Clube de Portugal, sendo o primeiro grande símbolo do clube. Ele foi colega de carteira do poeta Mário de Sá-Carneiro no Liceu Camões e referem-no como um aluno aplicado e que seria até uma referência na instituição, não fosse a sua dedicação ao Sporting.
O seu grupo de amigos, entre os quais os irmãos António e José, resolveu formar um clube, o Campo Grande Football Club, este clube não era apenas um clube desportivo como também era um clube recreativo. As duas posições confrontaram-se em 1906 num piquenique em Loures, ocorrendo uma cisão da qual originou uns meses mais tarde o Sporting Clube de Portugal.
Em 1908, Francisco Stromp (então com 16 anos!!) estreou-se na equipa principal do clube, jogando até à época de 1923/1924. Rezam as crónicas que ele jogava em várias posições (sobretudo médio direito e avançado centro), sendo considerado um jogador de magníficos recursos. O primeiro grande capitão do Sporting era também o capitão-geral do futebol, pois nessa altura a figura do treinador ainda nem existia.
Diziam os companheiros que ele era a alma da equipa, apelando ao sportinguismo de todos, unindo sempre o grupo. São famosas as palestras no balneário antes dos jogos, quando muitas vezes com os olhos marejados de lágrimas incitava os colegas a dignificarem o clube. Como capitão liderava a equipa, enviava postais convocando os colegas para os treinos e para os jogos, sendo ele o principal impulsionador do Sporting quando o clube dava os primeiros passos.
Por tudo isto ele tornou-se indiscutivelmente o principal ídolo dos adeptos leoninos e viveu o clube leonino de forma brilhante e reconhecida de forma geral na sociedade portuguesa.
Francisco Stromp viveu quase exclusivamente para o Sporting, que era a sua grande e única paixão. Companheiro exemplar, dirigente astuto, embaixador das virtudes do desporto e do respeito pela ética desportiva, amigo e cavalheiro mesmo com os adversários, atleta de eleição (foi também campeão nacional do disco pelo atletismo do clube), comandou a equipa campeã de Portugal em 1923, marcando o primeiro golo da final. Jogou 107 jogos de leão ao peito, sendo capitão durante 10 anos. Foi também militar e trabalhou posteriormente no Banco Nacional Ultramarino, além de ser vice-presidente do Sporting.
Contudo, após uma vida de desporto, saúde, energia e motivação, Francisco Stromp contraiu uma doença que na época era mortal: a sífilis. Foi o pai, médico famoso, que detectou a doença quando surpreendeu o filho a querer comer a sopa com um garfo. Na época, a sífilis era uma doença comum entre os clientes de prostitutas.
Assim, perante este cenário, no dia 1 de Julho de 1930, com 38 anos, o maior ídolo do clube escolheu a morte. No mesmo dia em que o Sporting festejava o seu 24.º aniversário, Francisco Stromp saiu da cama bem cedo de manhã, mas não foi trabalhar para o Banco Nacional Ultramarino como era habitual. Escolheu outro caminho. Na Estação de Comboios de Sete-Rios, quando chegou o comboio, despiu o casaco e correu para a linha de braços abertos, cometendo suicídio. Ainda hoje é o sócio perpétuo n.º 3 do Sporting, pois era este o número que tinha na altura da sua morte, sendo que o mesmo nunca mais passará para outra pessoa.
Segundo os relatos da época, o seu amor pelo clube era tanto que chegava a usar a camisola verde e branca por baixo da roupa do dia-a-dia. A verdade é que desde a fundação do Sporting até ao dia da sua morte, ele confundiu-se com o próprio clube que foi sobretudo o prolongamento afectivo da sua própria família.
O presente do Sporting pode ser enquadrado também no estado lamentável do futebol português, que insiste em confundir desporto com fanatismo e que oculta muito mais coisas do que os simples adeptos como eu desejam compreender.
Assim, lamentavelmente, enquadro as bárbaras agressões dos próprios adeptos do clube aos jogadores em Alcochete e todos os episódios tristes que temos assistido não como um caso isolado, mas como a continuação de um caminho que invariavelmente e de forma contraditória conjuga os valores do desporto com a decadência dos humanos. Este caso foi especialmente grave e foi particularmente difícil assistir aos jogadores, treinadores, adeptos e simpatizantes do clube a chorarem em conjunto, como uma verdadeira equipa e família, lágrimas de dor e desilusão na final da Taça de Portugal de 2018.
O futebol português é naturalmente um reflexo da sociedade nacional onde prolifera a corrupção nas altas esferas do Estado, política, justiça, e claro no desporto rei. Mas, infelizmente para mim e para os milhões de sportinguistas que amam o clube, existe algo único e original neste clube, e consequentemente a vergonha, lágrimas e desilusões que provoca estarão sempre presentes entre as glórias e os sucessos.